Conforme a decisão da Corte:
  • “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito” em razão da orientação sexual da pessoa poderá ser considerado crime;
    a pena será de um a três anos, além de multa;
  • se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa;
  • a aplicação da pena de racismo valerá até o Congresso Nacional aprovar uma lei sobre o tema.
  • Com a decisão, o Brasil se tornou o 43º país a criminalizar a homofobia, segundo o relatório “Homofobia Patrocinada pelo Estado”, elaborado pela Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (Ilga).
No julgamento, o Supremo atendeu parcialmente a ações apresentadas pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) e pelo partido Cidadania (antigo PPS). Essas ações pediam que o STF fixasse prazo para o Congresso aprovar uma lei sobre o tema. Este ponto não foi atendido. Durante a sessão desta quinta-feira, os ministros fizeram ressalvas sobre manifestações em templos religiosos. Conforme os votos apresentados:
  • não será criminalizado: dizer em templo religioso que é contra relações homossexuais;
  • será criminalizado: incitar ou induzir em templo religioso a discriminação ou o preconceito.
  • No julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso propôs que os crimes de assassinato e lesão corporal contra gays tivessem agravante na pena. Os demais ministros, porém, não discutiram esse tema.
O julgamento começou em fevereiro, quando quatro ministros votaram a favor de enquadrar a homofobia como racismo: Celso de Mello; Luiz Edson Fachin; Alexandre de Moraes; Luís Roberto Barroso. Em maio, o julgamento foi retomado e mais dois ministros também votaram a favor da criminalização, formando maioria dos votos: Rosa Weber; Luiz Fux.
Retomada do julgamento – A sessão desta quinta-feira (13), a sexta destinada à análise do tema, foi iniciada com a votação da ministra Cármen Lúcia. Ao apresentar o voto, afirmou que o STF deve proteger o direito do ser humano à convivência pacífica. Também destacou que “todo preconceito é violência e causa de sofrimento”.
“Numa sociedade discriminatória como a que vivemos, a mulher é diferente, o negro é diferente, o homossexual é o diferente, o transexual é diferente. Diferente de quem traçou o modelo, porque tinha poder para ser o espelho e não o retratado. Preconceito tem a ver com poder e comando. (…) Todo preconceito é violência, toda discriminação é causa de sofrimento”, votou. Na opinião da ministra, discriminação “castiga” a pessoa desde o lar, uma vez que afasta pai de filho, irmãos e amigos. Ressaltou que o Congresso foi inerte até o momento, acrescentando que os episódios reiterados de ataques contra homossexuais revelam “barbárie”.
Em seguida, na sessão, Ricardo Lewandowski apresentou o voto, divergente dos até então apresentados. O ministro se posicionou contra a permissão para criminalizar a homofobia, mas disse considerar que o Congresso foi omisso. Frisou que não cabe ao STF definir em qual crime os atos devem ser enquadrados porque isso é função do Poder Legislativo.
Para o ministro, punir criminalmente a homofobia é “simbólico”, mas acrescentou que “a lei pode muito”, mas “não pode tudo”. “Estamos aqui a tratar a necessidade de mudanças culturais complexas que, acaso vinguem, serão incorporadas ao repertório jurídico e policial paulatinamente. Essa reflexão, porém, não diminui a importância de que esse primeiro passo seja dado”, afirmou.
Na sequência, Gilmar Mendes destacou que a omissão do Congresso é grave por deixar de proteger a comunidade LGBTI. Para o ministro, a falta de uma legislação afronta, ainda, a dignidade humana. “Considerando a seriedade das ofensas sistematicamente dirigidas às esferas jurídicas das minorias que pleiteiam manifestação dessa Corte, entendo que não há como afastar o cabimento da presente ação. […] Resta claro que a mora legislativa discutida consubstancia inegável insuficiência na proteção constitucional que determina a criminalização da discriminação atentatória à dignidade humana”, disse.
Argumentos apresentados ao STF – Enquanto associações LGBTI apresentaram ao Supremo argumentos a favor da igualdade de direitos, outras entidades também apresentaram fundamentos em defesa da liberdade religiosa.
Um exemplo é a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que representa igrejas evangélicas. A associação disse que, em geral, todas as religiões consideram a homossexualidade “ontologicamente como pecado ou contra seus valores e princípios morais”. “É desproporcional, abusivo e inconstitucional admitir que, se um padre, pastor ou qualquer líder religioso, nos seus sermões, sendo fiel ao texto que eles têm como regra de fé e prática – a Bíblia, por exemplo –, assente que as práticas homossexuais são ‘pecados’, estejam assim sendo homofóbicos”, argumentou a entidade.
Outro argumento religioso foi apresentado pela Frente Parlamentar da Família e apoio à Vida, segundo a qual protestantes, evangélicos e católicos se veem ameaçados como indivíduos, família e igreja, já que a homossexualidade “discrepa da vontade Divina para a humanidade, havendo Deus criado homem e mulher”.
Paulo Lotti, representante da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais (ABGLT), afirma ter “muita esperança” de que o Supremo reconhecerá a homofobia e a transfobia como crime. “Tenho certeza que o STF reconhecerá o dever constitucional do Congresso Nacional em criminalizar a homofobia e a transfobia. Tenho muita esperança que ele as reconheça como crime de racismo, na acepção político-social de raça e racismo que o STF já afirmou, num famoso julgamento que ocorreu na década passada, sobre antissemitismo. Lembrando que há pareceres favoráveis da Procuradoria-Geral da República para tanto”, diz.
A Procuradoria Geral da República (PGR) afirmou que a Constituição prevê a proteção aos direitos fundamentais.
Votos dos ministros – Saiba como todos os ministros do STF sobre a criminalização da homofobia:
Celso de Mello (relator): Afirmou que a livre expressão de ideias, pensamentos e convicções, inclusive em questões religiosas ou confessionais, não pode ser impedida pelo poder público. O ministro considerou, no entanto, que não se trata de “direito absoluto”. Argumentou que pronunciamentos que “extravasam os limites da livre manifestação de ideias”, transformando-se em insulto, ofensa ou estímulo à intolerância e ao ódio, “não merecem a dignidade da proteção constitucional que assegura a liberdade de expressão do pensamento”.
Edson Fachin: Argumentou que a proteção de direitos fundamentais permite ao STF a interpretação de crimes sem que haja interferência na atividade legislativa. Além disso, argumentou que falta uma lei específica, o que inviabiliza o exercício de direitos da comunidade LGBTI. O ministro afirmou ainda que há uma “gritante ofensa a um sentido mínimo de justiça”, provocada pela “omissão legislativa”.
Alexandre de Moraes: Afirmou que a omissão do poder público em impor limites ao preconceito tem permitido que agressões verbais e físicas constantes evoluam para homicídios de homossexuais e transexuais. “Nada insufla mais o criminoso do que a impunidade”, disse.
Luís Roberto Barroso: Afirmou que, embora a criação de leis seja papel do Poder Legislativo, a interpretação constitucional é papel do Supremo. Também disse que a comunidade LGBTI é um grupo “vulnerável”, além de “vítima de preconceitos e de violência”. “Se o Congresso atuou, a sua vontade deve prevalecer. Se o Congresso não atuou, é legítimo que o Supremo atue para fazer valer o que está previsto na Constituição”, acrescentou.
Rosa Weber: Condenou os atos violentos contra homossexuais. Disse que a demora do Poder Legislativo está “devidamente demonstrada”, acrescentando que o direito à individualidade e às identidades sexual e de gênero são elementos “constitutivos da pessoa humana”.
Luiz Fux: Disse que os “delitos homofóbicos” são tão alarmantes assim como violência física. Para o ministro, há “níveis epidêmicos de violência homofóbica”. Acrescentou que, depois do Holocausto, “jamais se imaginou que um ser humano poderia ser alvo dessa discriminação e violência”.
Fonte: G1