domingo, 19 de outubro de 2014

Ditadura- 50 anos: Recordar o mal gerado e não comemorar

Por Mariene Hildebrando


  Em 31 de março de 1964 tinha início no Brasil o período mais triste da nossa história. Através de um golpe militar que depôs o presidente João Goulart , teve início  um regime ditatorial que acabou com o Estado Democrático de Direito. De 1964 até 1985 fomos governados por militares. Se Instalou o terror, a repressão, a censura, mortes, desaparecimentos, direitos políticos cassados, nenhuma liberdade de expressão, direitos constitucionais  suprimidos,falta de democracia, perseguição a quem se opunha ao regime militar. Foi o AI-5 ato institucional nº5 baixado em 1968 que vigorou por 10 anos que deu poderes quase ilimitados aos militares. Um ato que dava plenos poderes ao presidente da república e que fortalecia a censura e a repressão. Início dos chamados “Anos de Chumbo”!  Esse ato proibia por exemplo o habeas corpus a presos políticos, quando eram presos ficavam a mercê  dos militares, pelo tempo que quisessem e como eles quisessem.
            Sabemos que as violações aos direitos humanos são anterior a ditadura militar, mas nesse período essas violações se intensificaram e tomaram um rumo terrível. O total desrespeito as leis. O Estado fazendo a lei valer apenas para o povo. Direitos vilipendiados, as vozes caladas, pessoas que desapareciam sob a égide do regime militar.  A falta de democracia e a supressão dos direitos básicos do cidadão. O medo da classe conservadora de que nos tornássemos socialistas, o medo do comunismo se instalar. Sufoca-se a voz do povo, e implanta-se um regime que é baseado na doutrina de segurança nacional, que contraria todos os princípios democráticos.
            Nesses 21 anos milhares de brasileiros sofreram  com as violações dos direitos humanos. Foram detidos, torturados e mortos, alguns desapareceram, os direitos básicos e as liberdades não mais existiam.  Fomos governados por mentes doentias que mantinham centros de tortura onde submeteram centenas de pessoas, entre elas crianças a todo tipo de humilhação física e psicológica. O projeto Brasil Nunca Mais foi, realizado clandestinamente entre 1979 e 1985 e organizou uma  importante documentação sobre a ditadura no Brasil. Constam nesse documento, nomes, locais de torturas, informações sobre pessoas desaparecidas, torturadores, torturas,pessoas assassinadas, etc. Algumas das sevícias e violências utilizadas para torturar brasileiros(as) com o aval do Estado, (consta no livro Brasil Nunca Mais, Ed. Vozes) incluía:
Coações morais e psicológicas
- Ameaça de violação sexual, ameaça de afogamento, ameaça de cortar orelha ou de cortar seios, cuspes no rosto, danças com urnas mortuárias;
Coações físicas
- Pontapé, pancada nos lábios com mangueira, palmatória, choques elétricos, murros, sevícias, tortura na frente de familiares, ácido no corpo;
Violência sexual
- Estupros coletivos, introdução de objetos no ânus (velas, baratas e bastões de choque), órgãos genitais furados com agulha, esmagamento de pênis e testículos;
Castigos com instrumentos
- Alicate para apertar e arrancar as unhas, cortes com giletes, marteladas nas juntas do corpo, queimadura de cigarro e com maçarico, canivete por baixo das unhas;
Tortura com aparelhos mecânicos
- Corda amarrada no pescoço e nos testículos, pau de arara, suspensão pelos pés com os braços suspensos, suspensão pelos punhos com argolas, braços amarrados para cima nas grades;
Tortura com aparelhos elétricos
- Cadeira do dragão (cadeira de madeira com assento metálico para aplicação de choques elétricos), choques elétricos no ânus, seio e vagina;
Tortura contra sinais vitais
- Afogamento, asfixia, esponja de água na boca, sal grosso na boca;
Torturas complementares
- Água e sal para piorar o choque, ambiente gelado depois de uma sessão de espancamento, injeção de éter, sabão nos olhos;
- Uso de baratas, ratos e cobras para amedrontar a vítima, ingestão de fezes, urina e água da privada. (
http://bnmdigital.mpf.mp.br/#!/pesquisar-no-acervo)
            Pergunto-me, há o que comemorar?  Passados 50 anos o que realmente mudou? Este herança de violência e a ausência de punição  ainda perdura no país, principalmente na área  da justiça e segurança pública. Relembrar para não esquecer, e tomar consciência de que só nós é que podemos mudar o que não está bom. A democracia pressupõe o respeito e a proteção aos direitos humanos. Percebemos então que há muito a ser feito.  Superar as injustiças, trabalhar para termos uma sociedade que supere as desigualdades e que priorize a liberdade e a justiça, promovendo uma estrutura social que não seja opressora e muito menos exploradora. É fato que o regime militar aprofundou e gerou mais desigualdades sociais em todas as áreas, e que aqueles que nos representam na verdade o fazem em nome do poder econômico e de interesses pessoais. Representam na maioria das vezes a si mesmos ou aqueles que os ajudaram, ou “apadrinharam” na campanha política, não por ideologia ou convicção, infelizmente, mas porque trará vantagens.

             Não vamos generalizar, alguns realmente estão preocupados em construir uma sociedade mais justa e solidária. Esse, aliás, é um dos objetivos do Estado. Mas em um país onde a grande maioria do povo, não sabe quais são os seus direitos, fica difícil de  vislumbrar uma sociedade equilibrada e sem tantas desigualdades.. Nosso exercício de cidadania inclui nossos direitos políticos, o que nada mais é do que participarmos de forma ativa do governo de nosso país, seja votando, sendo votado ou dando nossa opinião sobre o governo que nos representa. Chamamos a isso de Direitos Cívicos, (Jus civitatis). Promover a paz e a justiça não é dever só do Estado. A cultura da paz, das liberdades, é responsabilidade de todos aqueles que lutam por um país melhor, onde haja respeito aos direitos fundamentais básicos. O período triste e cruel da nossa história, será para sempre lembrado, (não comemorado), entendam, mas que isso sirva para não repetirmos os mesmos erros. Não cometermos os mesmos atos de violência contra os direitos humanos fundamentais, contra a democracia. Relembrar é  uma forma de mostrar que estamos atentos e não permitiremos que a história se repita, estamos dizendo que: ditadura NUNCA MAIS! 
Professora e especialista em Direitos Humanos

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